Um termo ainda pouco conhecido, mas com um significado que, infelizmente, faz parte do cotidiano de todo refugiado. Para o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), xenofobia é definida como “atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, excluem e difamam as pessoas com base na percepção de que são estrangeiros à comunidade ou sociedade nacional”. Em poucas palavras, xenofobia é a demonstração de ódio ao estrangeiro, ao migrante, com atitudes e comportamentos discriminatórios.
E hoje cada vez mais o mundo assiste a atitudes como essas. De acordo com dados oficiais do ACNUR, mais de 70 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus países em função de guerras, perseguições políticas e violação dos direitos humanos. Com o aumento da migração, a intolerância e a xenofobia crescem na mesma medida, no mundo todo.
O que fazer em caso de xenofobia
Assim como o racismo, xenofobia é crime. De acordo com a Lei 9459, de 13 de maio de 1997 , serão punidos os crimes “resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
No entanto, o migrante, vítima de discriminação, ainda tem dificuldade de exigir seus direitos, por falta de informação, dificuldade com a língua e até por questões culturais. Entretanto, para a advogada Vera Gers, especializada em regulamentação migratória, é essencial a denúncia. “Todo ato de xenofobia — seja verbal, gestual ou discriminatório — deve ser denunciado. O primeiro passo é procurar uma delegacia para que seja emitido um Boletim de Ocorrência (BO). Posteriormente o caso será encaminhado para as delegacias especializadas em crimes de discriminação. Além da notificação, o número de denúncias contribui para que o Estado e o Poder Público possam implementar políticas públicas”, orienta a advogada, que esclarece ainda como a vítima de xenofobia pode pedir ajuda. “Depois do BO, o migrante pode recorrer a órgãos públicos, como o CRAI (Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes) ou a instituições da sociedade civil.
Outra forma de denúncia é o Disque 100, em que a pessoa pode denunciar diversas violações de direitos humanos, inclusive a xenofobia. Mas o editor do site MigraMundo Rodrigo Borges Delfim afirma que para conter abusos e discriminação ao migrante é preciso mais. “São necessárias políticas públicas de fôlego, que ajudariam a criar um ambiente mais amistoso para o migrante e fomentariam um entendimento mais humano sobre as migrações. E que essas políticas também prevejam não só a assistência física e psicológica às vítimas de xenofobia, mas que punam seus praticantes e tenham canais claros para denúncia”, argumenta.
Xenofobia e racismo
Se a discriminação por ser migrante já é terrível, o acúmulo de preconceito deixa a situação ainda pior. Especialistas dizem que em muitos casos há a intersecção entre xenofobia e racismo. “No Brasil se verifica este acúmulo de discriminação. O migrante de pele escura sofre de um componente a mais, o racismo. Não são somente os migrantes da África, mas peruanos, bolivianos e venezuelanos são discriminados pela origem indígena”, explica Vera Gers.
E nestes casos, novamente, a indicação é procurar a Justiça e registrar a denúncia de xenofobia e racismo.
Ativista de direitos humanos
Mãe de cinco filhos e prestes a se tornar avó, a congolesa Prudence Kalambay Libonza, de 38 anos, está no Brasil desde 2008 e hoje pode ser vista na abertura da novela Órfãos da Terra, da TV Globo. “Já sofri e sofro até hoje discriminação por ser estrangeira, por ser negra e africana”, diz a congolesa, que tem consciência de que racismo e xenofobia são crimes, mas também já percebeu que em nosso país as leis às vezes não funcionam. Apesar disso, se sente muito feliz por aqui. “A gente ouve e vê atitudes racistas quase todo o dia. Mas eu sou grata a quem me estendeu as mãos. Minha luta é defender quem está passando necessidade em situação de refúgio. Gosto sempre de falar que somos todos filhos da mesma terra, independentemente da cor, religião, nacionalidade, condição social. Temos uma raça só, a raça humana. Paz no mundo!”, arremata Prudence Libonza.
Professor do projeto Mente Aberta
Com 22 anos e desde 2017 no Brasil, Leonardo Berrío é solicitante de refúgio, pois sofreu perseguição política de um grupo guerrilheiro em seu país, a Colômbia. “Tive bastante dificuldade de adaptação, principalmente por causa da língua. Quando as pessoas me ouviam falar espanhol, nem carona eu conseguia. Em Extrema de Rondônia, cidade onde morei, por ser estrangeiro, só conseguia trabalhos pesados, como carregar caminhões durante 16 horas, ganhando só 20 reais. Muitas vezes me senti discriminado pelo meu chefe e por algumas pessoas da cidade, que tentavam se aproveitar da minha situação para me forçar a fazer trabalhos pesados. Houve situações em que não me pagaram e me senti intimidado para cobrar ou procurar ajuda legal”, confessa.
Apesar de ter sido discriminado por aqui, Leonardo afirma que aprendeu a ser mais humilde e amar o povo brasileiro. “O preconceito que sofri me ensinou a não discriminar ninguém. Hoje penso que não há nada melhor do que arroz com feijão, farofa, polenta, além da música sertaneja, um forrozinho e cervejas ao lado dos amigos brasileiros”.
Texto: Maurício Mellone
Fotos: arquivos pessoais